terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ariane Mnouchkine e o Théâtre du Soleil

Este texto foi produzido no intuito de continuarmos nossa pesquisa sobre a hibridez entre teatro e cinema. Pretendemos experimentar o uso da câmera em um acontecimento teatral não apenas como registro, mas como elemento colaborativo da dramaturgia da cena, resultando em um novo produto artístico.
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Ariane Mnouchkine, renomada diretora de teatro e cinema francês faz das novas tecnologias um aliado na busca de novas percepções e formas de comunicação com o público, criando uma teatralidade que se fundamenta da fusão dos princípios comuns de duas artes, o teatro e o cinema, possibilitando assim, a quebra de fronteiras entre duas diferentes linguagens artísticas e uma imbricação de territórios.
Com a sua companhia, o Théâtre du Soleil, Ariane Mnouchkine filma seus próprios espetáculos e o faz de maneira tal, que a filmagem deixa de ser uma simples captação, mas a transforma em espelhamento daquilo que é visto no palco. O filme passa a ser então o reflexo das percepções de palco, daquilo que muitas vezes está submerso no trabalho do ator e que no filme será ressaltado, de forma a revelar a essencial teatralidade. Uma relação que surge entre as duas artes e que possibilita a criação de uma nova dramaturgia para o teatro/cinema ou palco/sala, unindo públicos que antes eram voltados à linguagens específicas, em uma linguagem comum. 
Entre os seus principais espetáculos que foram levados as telas, estão: 1789, Tambours sur la digue, Le dernier caravansérai, Molière, La Nuit miraculeuse, Au Soleil même la nuit e Tambours su la digue. Em Tambours sur la digue e Le dernier caravansérail, Ariane Mnouchkine realiza todo o processo de filmagem durante o transcorrer do próprio espetáculo, preparando a iluminação de forma que as intervenções da luz de cinema não prejudicassem as luzes do espetáculo e que não fossem percebidas pelo público. Filmavam com três câmeras Super 16, dispostas a obter diferentes pontos de vista do espetáculo, passando em meio ao público quando precisava estar mais próximo possível dos atores e com a preocupação de não causar transtornos a platéia. A acústica unia o som direto combinado a trilhas variadas, que forneciam os efeitos desejados. A decupagem do filme era feita durante o dia por Ariane Mnouchkine e a montagem durou cinco meses, no qual poucos atores participaram.
Au Soleil même la nuit é um filme de teatro que tem a duração de uma representação teatral. Começa com as pancadas de Molière e termina com os aplausos e o agradecimento ao público. O que ele apresenta é a encenação daquilo que o público de teatro não vê e que o cinema constrói para ele a partir do próprio ritual do espetáculo. 
Para se filmar o teatro é necessário que seja repensada a obra cênica para o cinema. Uma tentativa de tradução de uma língua para outra, salvaguardando seus códigos, suas leis, de modo que a passagem da cena à tela torne o teatro acessível a um maior número de espectadores que não necessariamente partilham da cultura daqueles que assistiram à peça. Em Tambours sur la digue, Ariane Mnouchkine decide ao invés de tentar “fazer filmes” e, assim, suavizar o “jogo marionete” dos atores, ela decide acentuá-lo. Acentua o teatral para melhor filmá-lo, solicitando aos atores que interpretam as marionetes, que não usem no cinema suas vozes de palco, mas que mexam fora de sincronismo “seus” lábios de madeira, enquanto outros dizem o texto. Isto dá aos espectadores a vontade de rever um espetáculo que os deslumbrou e tocou, e àqueles que nunca mais poderão vê-lo uma idéia da experiência que as representações permitiram viver.
Em 2003 é a vez da montagem Le Dernier caravansérail, filme que estréia nos cinemas em Paris em novembro de 2006. O espetáculo nasceu do cinema, das filmagens de Tambours sur la digue. Portanto tomava emprestado do cinema alguns elementos como, a multiplicidade de planos, o enquadramento, já que no espetáculo se usavam palcos móveis e a câmera teria opção de estar fixa ou não, em função do movimento dos palcos. O filme permitia ver com mais detalhes o trabalho dos atores, as transformações, as alterações, as sutilezas do jogo, os figurinos, a maquiagem. O que era impossível de ser mostrado diretamente como imagem, como a multidão, a dimensão de uma paisagem, a profundidade de um campo, aparece de outra forma, por meio de um signo, de uma referência visual, um cartaz, o luar de uma televisão ou da trilha sonora. Elementos que conservam na tela as convenções sem perder o lirismo do palco. Tambours sur la digue, é um filme que tem como objetivos e por tema os mesmos do espetáculo mas também, subterraneamente o diálogo entre as duas artes. Algo que Mnouchkine reconhece e confirma quando diz “nossa ambição era que ele tivesse as duas emoções.”.

Referência: FRANÇA DE VILHENA, Deolinda Catarina . Ariane Mnouchkine e o Théâtre du Soleil: notas de uma trajetória entre palco e tela. Disponível em:
http://www.etnocenologia.org/vicoloquio/index.phpoption=com_content&view=article&id=64:deolinda-catarina-franca-de-vilhena-ariane-mnouchkine-e-o-theatre-du-soleil-notas-de-uma-trajetoria-entre-palco-e-tela-&catid=14:paineis-de-pesquisadores-convidados&Itemid=186. (Acesso em set. 2010) 

A teatralidade no vídeo: o encontro de linguagens em “Marat- Sade” através do olhar de Peter Brook

Este texto foi elaborado baseando-se no livro “A análise dos espetáculos” de Patrice Pavis, com o intuito de pesquisar a interpretação teatral para o vídeo para nos auxiliar na elaboração de uma obra de caráter híbrido a partir do experimento cênico Dom Casmurro - Papéis Avulsos.

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        O “teatro vídeo” “Marat- Sade” se baseia no texto homônimo de Peter Weiss, que conta a história da encenação de uma peça - sobre o revolucionário Francês Jean Paul Marat - dentro de um manicômio, tendo como atores os próprios pacientes internados dirigidos pelo legendário Marquês de Sade. Os acontecimentos são inspirados em fatos históricos da biografia de Sade e sua passagem pelo manicômio.
         Peter Brook traça em “Marat-Sade” um discurso acabado com uma visão muita subjetiva da ação, deixando de lado o tradicional e inexpressivo registro de uma “peça filmada”. A atuação dos palcos é reelaborada pelos atores especialmente para as câmeras. No entanto, todos os procedimentos da filmagem estão a serviço da descoberta da teatralidade em cena, ou seja, a câmera assume claramente que está abordando um material já concebido com natureza teatral, advinda obviamente da experiência artística e estética daquele diretor inglês.
         Nesse contexto, Brook em “Marat- Sade” mescla a força e diversidade de estilo da interpretação dos atores com as possibilidades que a câmera oferece, explorando também a linguagem cinematográfica de forma eficiente e consciente. O resultado desse processo criativo é um encontro de linguagens com uma obra de caráter híbrido. A própria interpretação dos atores oscila entre a linguagem teatral e audiovisual, através de efeitos de autenticidade (autoconsciência) e teatralidade, ou seja, ora natural, ora declamatória ressaltando a convenção no teatro.
         O “aparte” para a câmera – o personagem do Marquês de Sade utiliza diversas vezes desse recurso - de maneira direta ou indireta envolvida num close é uma referência clara a estética de representação épica, uma vez que rompe com a ilusão realista e acentua a teatralidade. A forma épica não envolve o espectador numa ação cênica, mas lhe desperta a atividade. A câmera assume o papel da quarta parede no palco cênico italiano, sua ruptura traz um efeito de estranhamento no espectador. Afinal de contas, houve uma maneira diferente da forma tradicional na utilização da linguagem pelo vídeo. Essas intervenções direta para a câmera juntamente com a voz off, ao mesmo tempo que, garante as transições de cena, já que o plano seqüência é bastante utilizado, reforça mais ainda a impressão que o vídeo não se configura em um “teatro filmado”.
         É importante ressaltar também que o plano sequência em “Marat- Sade” possibilita que Peter Brook reinvente o espaço da cena o tempo todo. O espaço cênico se constrói através do lúdico com o preenchimento da atuação do ator, onde a câmera também intermédia nossa localização como espectador, ora vivendo no interior deste manicômio, ora em perspectiva, como se aquilo fosse algo distante de nós mesmos. Com tais características “Marat- Sade” é um “filme-teatro” de conotação política que usa da ironia e figuras marcantes do imaginário da revolução Francesa para questionar o sentido da transformação, como também para reforçar o ideal da contracultura nos anos 60 que contestou os parâmetros que se aplicavam no teatro e cinema.

Experimento Cênico: Dom Casmurro - Papéis Avulsos


O romance Dom Casmurro foi escolhido para o trabalho que unificou a pesquisa desenvolvida pelo grupo e a disciplina Interpretação II ministrada pela Professora Dra.Paula Coelho. Foram selecionadas as personagens Capitu, Bentinho, José Dias, Pádua, Ezequiel, entre outros presentes no texto e feito um levantamento das suas características, condições sociais, relações inter-pessoais e comportamento. 
A partir do nosso estudo sobre as personagens de Dom Casmurro, a professora Paula Coelho coordenou um experimento cênico intitulado "Dom Casmurro - Papéis Avulsos" baseado em nossas discussões teóricas e nas cenas elaboradas pelo grupo e sugerida pelos alunos/atores. 
O trabalho realizado pelos alunos da disciplina Interpretação II iniciou com a investigação de retratos da época tratada no romance para referência de construção de personagem e criação de um depoimento. Depois da discussão sobre a obra de Machado de Assis, especialmente do romance Dom Casmurro, em que o documentário Um mestre na periferia do capitalismo da TV ESCOLA foi assistido, os alunos passaram a construir depoimentos dos dois protagonistas da obra, Bentinho e Capitu e depois selecionaram as cenas que iriam compor o experimento com base nos seguintes capítulos: 14 – A inscrição; 25 – No passeio público; 30 – O santíssimo; 32 – Olhos de ressaca; 136 – A xícara de café; 137 – Segundo impulso e Capítulo 138 – Capitu que entra. 
O experimento também contém uma cena que não existe no livro de Machado e foi criada pela aluna Rosa Carlos baseada no seu depoimento como Capitu, revelando a personagem exilada e 25 anos mais velha. Este trabalho foi apresentado no dia 18 de Outubro de 2010 durante a programação do ALDEIA SESC realizado no Sesc Centro em João Pessoa. Assistam um trecho do nosso experimento:



Captação de Vídeo: Suzy Lopes

Sobre o método das ações físicas:

O projeto pedagógico de Constantin Stanislavski para a formação do ator denominado “método das ações físicas” sintetiza toda sua experiência acumulada por mais de 30 anos de atividade artística e pedagógica junto ao Teatro de Arte de Moscou.
A partir da elaboração do método das ações físicas, Stanislavski buscava uma interpretação baseada na vida real, que abandonasse os clichês que ocultam a alma humana do ator, e que fosse autenticamente orgânica.
Segundo seu sistema, para alcançar a veracidade na criação do personagem, o ator deve partir de si mesmo, de suas características pessoais, buscando a verdade nas ações físicas mais simples e que resultem mais expressivas, emprestando o seu eu para a lógica de outro, neste caso, a pessoa-papel, o personagem criado. Stanislavski considerava que a verdade das ações físicas levará os atores a acreditarem na cena que estão fazendo, e que essa “fé cênica” mais adiante se converterá no “eu sou”, na ação e na criação.
O método do encenador russo consistia em saber provocar em si mesmo as sensações do momento através das ações físicas que partem da vontade, da intuição e não da especulação que nasce no cérebro. Para Stanislavski:

(...) seria errado considerar a ação física apenas como um movimento plástico que expressa a ação. Não; é uma ação autêntica, logicamente fundada, que busca uma finalidade concreta e que, no momento de sua execução, se converte em uma ação psicofísica. (Stanislavski APUD TOPORKOV, Vladmir O. 1962. P.175) [1]
           
O sistema é necessário apenas para dar liberdade à criação da natureza orgânica do ator, ele queria que os intérpretes fossem sinceros em cena, tendo a capacidade de entregar-se aos acontecimentos da obra com toda fé cênica sem interromper a linha lógica de suas ações, e que conseguissem transmitir uma sensação de verdade, pois a sinceridade em cena seria a qualidade mais convincente da arte teatral.
Ação física pode ser definida como um ato físico em cena que tenha um objetivo definido, uma intenção que o justifique, portanto o ator que queira trabalhar com o método não deve criar nenhuma ação física vazia, ou seja, sem motivação, sem que haja uma autenticidade.Stanislavski considerava que as ações físicas seriam a única coisa que pode ser recordada e fixada pelo ator e que o caminho emotivo não era o ideal, pois as emoções independem de nossa vontade.


Acreditamos que a metodologia elaborada por Stanislavski fornece as ferramentas necessárias para o trabalho do ator na construção de cenas realistas, possibilitando as adaptações para a realidade e necessidade do ator brasileiro e sua sociabilidade.





[1]  Tradução própria.